10 de fev. de 2011

Prescrição e Decadência: Critério Distintivo e Regimes Jurídicos


RESUMO
O presente trabalho dissertativo investiga os institutos da prescrição e da decadência. A proposta é apresentar de forma clara e direta a distinção entre ambos os institutos, o que apresenta significativa relevância prática, em razão de cada um ter um regime jurídico próprio. Tem-se por mister investigar aspectos processuais, demonstrando equivocada a assertiva que diz que a prescrição representa perda da ação e que decadência representa a perda do próprio direito, haja vista a prescrição significar, de acordo com a moerna técnica processual, a perda da pretensão. Finalizando, analisar-se-á regras importantes de cada regime jurídico.
Palavras-chaves: Prescrição. Decadência. Regimes Jurídicos.

ABSTRACT
This dissertation investigates the prescription and decadence institutes. The propose is to demonstrate in a clear and direct forms the distinctions between both, what it presents significant practical relevance, in a reason of each one have a proper legal regimen. These rules will be analyzed, as well as, the procedural aspects in order to demonstrate the mistake of the sentence: prescription is the lost of the law-suit and the decadence is the lost of the right, what is wrong because prescription is the lost of the pretension.
Word-Keys: Prescriptions. Decadence. Legal Regimen.

1 INTRÓITO
Prescrição e decadência, talvez, sejam os temas mais tormentosos na disciplina civil. Muitos profissionais se afligem quando o tema se apresenta, motivando e desafiando a elaboração deste trabalho, que se propõem, em uma linguagem simples e direta, a elucidar dúvidas e organizar idéias de compreensão.
Trata-se de institutos postos para garantir a estabilidade das relações sociais, a paz social e a segurança jurídica. As pessoas têm direitos, mas o ordenamento jurídico lhes confere prazo de atuação, sob pena de sobrevir algum tipo de problema, que irá variar se prescrição ou decadência: o direito não protege a quem dorme.
O grande problema é: qual a diferença de prescrição e decadência? Quando a inércia representará prescrição e quando representará decadência? Esta questão apresenta significativa relevância, não sendo uma questão meramente teórica, haja vista cada um desses institutos possuir um regime jurídico próprio. Outrossim, muito se ouve dizer que na prescrição se perde a ação e que na decadência se perde o próprio direito. Será que isso está correto? Será que essa assertiva, ainda tão prolatada, se coaduna com a moderna técnica processual?
A proposta que aqui se apresenta é diferenciar prescrição e decadência, abordando-se os aspectos processuais do tema, para, a seguir, serem estudados comparativamente os regimes jurídicos de cada instituto, com destaque para as recentes alterações legislativas do tema e discussões que daí advém.

2 CRITÉRIO DISTINTIVO DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Sem dúvida, o melhor critério doutrinário de distinção foi apresentado pelo saudoso magistrado AGNELO AMORIM FILHO, em seu trabalho intitulado Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência
[1]. Nesta monografia, texto referência do tema, o mestre ensina que a diferença está na classificação entre direito subjetivo e direito potestativo, pois direito subjetivo se sujeita a prescrição e direito potestativo se sujeita à decadência. O que significa isso?
É tradicional a dicotomia direito objetivo e direito subjetivo, sendo aquele o direito posto, a lei e este o direito que a pessoa tem
[2]. É uma visão simplista. Na verdade, segundo ensina Chiovenda, quando se fala no direito que a pessoa pode ter, pode ser este de dois tipos: direito subjetivo e direito potestativo[3]. Direito subjetivo é aquele ao qual corresponde um dever jurídico de outra pessoa, v.g., quem compra um relógio, entregando o preço, tem direito a receber o relógio, direito subjetivo, pois a ele corresponde um dever: a entrega do relógio. Já o direito potestativo é diferente, pois é direito ao qual corresponde não um dever de alguém, mas sim mera sujeição, v.g., direito de pedir divórcio, pondo fim ao vínculo conjugal. A sentença judicial desconstitui o estado familiar conjugal, não correspondendo dever jurídico algum do cônjuge, mas sim mera sujeição de sua parte. Deve-se perceber que o direito potestativo, em realidade, mais do que um direito, constitui-se em verdadeiro exercício de poder. Por isso, excepcional no sistema.
Direito subjetivo, como corresponde a um dever jurídico, pode ser chamado de direito a uma prestação. O não cumprimento espontâneo da prestação significa violação de um direito. Ao violar o direito, vai nascer para o titular uma pretensão, que significa, nas palavras de Carnelutti, intenção de submissão de interesse alheio ao próprio, ou seja, a exigibilidade judicial de um direito (lide é a pretensão resistida)
[4]. A pretensão é exercida através do ajuizamento de uma ação judicial, externando-se a pretensão em um pedido. Só que o titular do direito violado não terá a vida toda para ir a juízo, pois a lei lhe fixa um prazo para reclamar um direito subjetivo: um prazo prescricional.
Percebe-se que a prescrição exige a violação de um direito, ou seja, só se fala em prescrição quando o devedor se recusa a cumprir com sua prestação. Isso significa que o dies a quo do prazo prescricional será o momento em que o devedor descumpre a prestação, o dever jurídico correspondente. No exemplo supramencionado, se o devedor tem até o dia 10 para entregar o relógio, só no dia 10 se inicia a contagem do prazo prescricional, pois só nesse momento nasce para o titular a pretensão.
De se concluir que, na prescrição, o titular não perde o direito, afinal, se entregou o preço correspondente, tem direito a receber o bem. Perde a pretensão, ou seja, a exigibilidade judicial do direito. Isso importa em relevância prática: imagine-se que A deve entregar um relógio rolex a B, sobrevindo inadimplemento de A (violação do direito) e posterior prescrição em razão da inércia de B. Insatisfeito com a perda da amizade, mesmo sem poder mais ser demandado judicialmente, A resolve cumprir sua obrigação, entregando o caro relógio a B. Em rompante de arrependimento pelo alto valor do bem perdido, A ajuíza ação de repetição de indébito, pedindo a devolução do bem. Em razão de na prescrição se perder a pretensão, mas não o direito, a sentença será de improcedência, pois válido o pagamento a destempo. Não à toa, o artigo 882 do Código Civil diz ser caso de soluti retentio, ou seja, retenção de pagamento, ao rezar: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível”.
[5] [6]
Ante todo o exposto, claro fica o texto legal trazido pelo artigo 189 do Diploma Civil, a seguir transcrito:“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pala prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Diferentemente, a decadência recai sobre direito potestativo. Não é direito a uma prestação, pois a outra parte nada tem a fazer, senão se sujeitar. Não há aqui possibilidade de violação de um direito, como ocorre no direito subjetivo, pois nada se tem que prestar
[7]. Como a decadência se insere nesse contexto? A pessoa tem verdadeiro poder, mas, às vezes, a lei exige que se exerça esse poder judicialmente. Em alguns casos, não há prazo para exercício desse poder, como ocorre com o divórcio, mas, em outros casos, em prol da estabilidade das relações sociais, da paz social e da segurança jurídica, o titular terá um prazo para exercer o poder, o direito potestativo. A título de exemplo, o contratante tem direito potestativo de anular o contrato se vítima de coação. Todavia, a lei exige seja feito judicialmente, fixando prazo de quatro anos a contar da cessação da coação, como previsto no artigo 178 do Código Civil[8]. É nesse sentido que se diz anulável o ato quando eivado de defeito do negócio jurídico, caracterizado pelo convalescimento, ou seja, se não argüido em certo prazo, o que era inválido torna-se válido. Qual a natureza jurídica desse prazo? Decadencial, como se infre da própria leitura do dispositivo legal invocado, pois é prazo para exercício de direito potestativo.
O que se deve perceber é que a inércia leva à perda do próprio direito na decadência. O ato anulável convalesce, ou seja, se não requerida a anulação do ato no prazo dado pela lei, este se tornará válido.

3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA DIFERENCIAÇÃO
Processualmente, como diferenciar prescrição e decadência? Direto subjetivo é exercido através de ação condenatória, onde se pede a condenação do réu a cumprir sua prestação. Por sua vez, o direito potestativo é exercido através de ação constitutiva, onde o juiz vai constituir ou desconstituir uma situação jurídica, independentemente da atuação do réu
[9].
Assim sendo, a ação condenatória se submete à prescrição e ação condenatória se submete à decadência. E ação declaratória? Como visa apenas a uma declaração judicial, não se sujeita nem à prescrição nem à decadência. É por essa razão que a ação declaratória de nulidade não se submete a prazo, haja vista o ato nulo não convalescer
[10].
Como apresentado no intróito deste trabalho, é comum se ouvir dizer que na prescrição se perde a ação e que na decadência se perde o próprio direito. Essa idéia está correta do ponto de vista da técnica processual? Não, pois na prescrição se perde não o direito de ação, mas sim a pretensão. A boa compreensão do que isso significa exige a abordagem de noções processuais, que se passa a descrever.
Quando se estuda a ação judicial, é vista a existência de teorias que se propõe a explicá-la. A primeira é a teoria concreta ou concretista da ação, que sustenta só haver direito de ação quando sobrevier sentença de procedência. Quem sucumbe não exercer direito de ação, mas mera demanda, enquanto ato de primeira provocação judicial. Sobreveio a teoria abstrata ou abstratista pura da ação, que sustenta haver ação seja qual for a sentença. Qual dessas teorias foi adotada pelo Estado Brasileiro? Nenhuma delas, pois Liebman veio ao Brasil, influenciando os estudiosos pátrios, razão pela qual se adotou aqui a teoria abstrata ou abstratista eclética da ação. Trata-se de uma teoria intermediária, que sustenta que o direito de ação é o direito de receber uma resposta de mérito. Isso significa que haverá ação quando sobrevier uma sentença de mérito, ou seja, não se exige a procedência, mas, ao menos, a resolução do mérito. Em conclusão, o direito de ação, no Brasil, é condicionado, de modo que a ausência de qualquer das condições da ação significa inexistência de ação, mas existência de mera demanda. Não à toa, a ausência de condição da ação é caso de carência de ação.
[11]
Se o juiz reconhece prescrição ou decadência, resolve ou não o mérito? Conforme artigo 269, IV, CPC, resolve sim, pois previsto como causa de extinção do processo com resolução do mérito
[12]. Assim sendo, se se ajuíza ação de cobrança, sendo reconhecida a prescrição, houve exercício do direito de ação, pois houve sentença de mérito. Não se perdeu o direito de ação, o que se perdeu foi a pretensão, ou seja, a exigibilidade do direito. Se prescrição estivesse arrolada no artigo 267 do Código de Processo Civil, como causa de extinção do processo sem resolução do mérito, seria caso de perda do direito de ação, pois sobreviria sentença terminativa.
Será que se deve aceitar isso pacificamente? Será há mesmo resolução do mérito quando o juiz reconhece prescrição e decadência? Dispõe o art. 295 da Lei Processual Civil: “A petição inicial será indeferida: IV – quando o juiz verificar, desde logo a decadência ou prescrição”.
Ora, se indeferida a petição inicial, o mérito não é apreciado e resolvido. Então, o artigo 269 da Lei Processual diz que prescrição e decadência são casos de extinção do processo com resolução do mérito, diferente do art. 295 da mesma Lei, que diz ser caso de extinção do processo sem resolução do mérito. Como explicar essa aparente incongruência? Na verdade, quando o juiz reconhece a prescrição ou a decadência, ele não examina o mérito, pois são matérias prejudiciais, justificando o texto do art. 295 supracitado. Só que, por opção legislativa, prescrição e decadência foram colocados no artigo 269 e não no artigo 267 do Diploma Processual Civil. A razão é simples: sentença terminativa faz coisa julgada meramente formal, o que significa poder o autor repropor a demanda. Para evitar que o autor vitimado pela prescrição ou decadência já reconhecida reproponha a demanda, optou o legislador dizer ser caso de extinção do processo com resolução do mérito. Assim sendo, reconhecida a prescrição, sentença de mérito, exercido o direito de ação. Não por outra razão, como ensina o processualista Marcus Vinicius Rios Gonçalves, a sentença que pronuncia prescrição e decadência são chamadas de “falsas sentenças de mérito”.
[13]
Se a pretensão prescreve, pode-se dizer que a exceção prescreve? Exceção é defesa em direito processual. São dois os tipos de exceção (lato sensu): exceção stricto sensu (quando defesa é matéria de ordem privada) e objeção (quando matéria é de ordem pública, o que faz com que a chamada exceção de pré-executividade deva ser chamada de objeção de pré-executividade)[14]. Essa defesa prescreve?
Vislumbremos o seguinte caso prático elucidativo: A é devedor de mil reais a B, mas não cumpre a obrigação no prazo, tornando-se inadimplente. Diante da inércia de B, houve prescrição. Tempos depois B causa um dano a A, que ajuíza ação indenizatória para reparação do dano. Poderá B alegar compensação em defesa? Em tese poderia, pois na prescrição há perda da pretensão, mas não do direito, ou seja, não se pode exigir judicialmente, mas o direito de crédito ainda existe. Todavia, por expressa previsão legal, impedido está o réu de alegar compensação em sua defesa. É o artigo 190 do Código Civil, que preceitua: “A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão”. Isso significa que o dies ad quem do prazo prescricional impede não só a cobrança judicial da prestação devida, mas também a alegação da matéria em sua defesa.
Em conclusão, equivocado se dizer que a prescrição é a perda da ação. Na verdade, correto e completo é dizer que a prescrição representa a perda da pretensão e da exceção. Não à toa, como supracitado, o artigo 189 do Código Civil dispõe que violado um direito, nasce para o seu titular uma pretensão, que se extingue pela prescrição.

4 REGIMES JURÍDICOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA
Conforme acentuado, importante saber se o prazo em análise é prescricional ou decadencial, pois cada um tem o seu regime jurídico próprio, estando a prescrição previstas nos artigos 189/206 do Código Civil e a decadência nos artigos 207/211 do mesmo Diploma Legal. São essas regras que se passa a analisar em tópicos comparativos.
a) IMPEDIMENTO, SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO PRAZO
Em regra, o prazo decadencial se inicia e chega a termo sem sofrer ataques. Já o prazo prescricional pode ser impedido, suspenso ou interrompido. Qual a diferença? As causas suspensivas se prolongam no tempo, durante o qual o prazo prescricional não corre. Ao final, o prazo volta a correr de onde parou. Já as causas interruptivas são pontuais e fazem reiniciar o prazo desde o início, independentemente do prazo já transcorrido. Por fim, as causas impeditivas são as mesmas causas temporárias que suspendem o prazo. Essas causas serão impeditivas quando já se verificarem no início do prazo, pois, ao invés de suspender, impedirá que o prazo prescricional se inicie.
[15]
As causas impeditivas ou suspensivas estão previstas nos artigos 197/200 do Código Civil. Entre as causas, destaque para o artigo 198, I, que preceitua não correr o prazo prescricional contra absolutamente incapaz. Isso significa que o absolutamente incapaz jamais poderá perder a pretensão pela prescrição, pois contra ele o prazo está parado. A razão é evidente, desprovido de qualquer discernimento, será protegido pela lei. Isso leva a uma indagação: o relativamente incapaz pode perder a pretensão pela prescrição? Pode, pois o prazo não corre apenas contra o absolutamente incapaz. Todavia, a lei não o desampara, na medida em que o artigo 195 da Lei Civil legitima direito de regresso em face do seu assistente pelos prejuízos decorrentes da prescrição[16].
Já as causas interruptivas estão previstas nos artigos 202 do Código Civil, provocando o reinicio da contagem do prazo. O titular de um direito subjetivo sofre da prescrição diante de sua inércia; se ele agir na tentativa de fazer valer o seu direito, não poderá perder sua pretensão, sendo o prazo interrompido, pois a idéia é que transcorra todo o prazo sem essas atitudes positivas do titular do direito subjetivo.
Dentre as causas interruptivas, destaque para o primeiro inciso, que diz que o despacho liminar positivo interrompe a prescrição, se promovida no prazo da lei processual, que, nos termos do seu artigo 219, §§ 2º e 3º, é de 10 dias prorrogáveis por mais 90 dias. Como asseverado, se o titular do direito violado vai a juízo reclamar o seu direito, não pode ser prejudicado pela prescrição, pois não se evidencia a inércia.
Este ponto reclama por aprofundamento. O caput do artigo 219 da Lei Processual
[17] diz que é a citação válida que interrompe a prescrição. Veio o novo Código Civil em 2002, dizendo que é o despacho do juiz que ordenar a citação[18]. O que interrompe a prescrição?
Alguns autores, de forma apressada, sustentam a existência de antinomia nesse ponto, ou seja, mais de uma lei para o caso concreto. Não é bem assim, pois a Lei Civil dispõe que o despacho liminar positivo interrompe a prescrição, se o autor promover a citação no prazo legal, ou seja, é a citação válida que interrompe a prescrição, mas os efeitos da interrupção, segundo o novo Código Civil, retroagem à data do despacho citatório, se o autor a promover no prazo legal.
Se fosse apenas isso, grandes problema não haveria. Só que a questão não é tão simples assim. O Código de Processo Civil afirma que citação válida interrompe a prescrição, mas vai além, afirmando que a interrupção retroage à data da propositura da demanda, se o autor promover a citação no prazo legal. Aqui sim há antinomia, o conflito de leis, pois o Diploma Civil diz retroagir à data do despacho liminar positivo. Ora, se o autor promover a citação no prazo legal, para que momento retroage a interrupção da prescrição: à data do despacho liminar positivo ou da propositura da demanda?
Alguns autores, novamente de forma apressada, afirmam valer o disposto no Novo Código Civil, pois havendo conflito entre leis gerais de mesma hierarquia, a antinomia é aparente, pois a lei posterior afasta a aplicação da lei anterior (lex posterior derogat legi priori). Assim, a interrupção da prescrição retroagiria à data do despacho liminar positivo
[19].
Data vênia, esta é uma solução muito simplista, que não investiga a fundo a questão. O novo Código Civil, embora de 2002, estava em trâmite legislativo desde a década de 70, década do atual Código de Processo Civil, que é de 1973. Ato do processo que interrompe a prescrição é tema processual, razão pela qual o Projeto do Novo Código Civil, ao tratar da prescrição, já na década de 70, foi buscar na Lei Processual inspiração para o tema, que preceituava, em seu texto original, no art. 219, §1º: “A prescrição considerar-se-á interrompida na data do despacho que ordenar a citação”. Não à toa, o novo Código Civil tem essa redação. Ocorre que, em 1994, o Código de Processo Civil foi alterado pelas leis 8950 a 8953, sendo alterada a redação do citado art. 219, §1º, que passou a dispor: “A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
O que deveria fazer o Poder Legislativo com relação ao projeto do novo Código Civil? Se adequar à nova regra processual durante o trâmite legislativo. Ocorre que o legislador se esqueceu de fazer a atualização. As revisões foram feitas sem que se atentassem ao problema, como acentua Marcus Vinícius Gonçalves:
O Projeto de reforma do Código Civil brasileiro tramitou durante mais de vinte e cinco anos no Congresso Nacional de tal sorte que a regra constante do art. 202, I, da nova lei não pode ser tomada apenas em sua literalidade, mas sim no confronto com a opção feita pelo legislador quando da edição da citada lei 8952/94 e que, como visto, alterou o sistema para fazer o efeito interruptivo retroagir ao momento do ajuizamento. Na realidade, o legislador não se lembrou, por ocasião da votação do projeto do novo Código, de corrigir a redação do aludido dispositivo, para harmonizá-la com a atual redação do CPC.
[20]
Em conclusão, vale o disposto no Código de Processo Civil, que ordena retroatividade da interrupção da prescrição à propositura da demanda, mesmo indo contra a literalidade da novel Legislação Civil, que é lei posterior. E o motivo é simples: o novo Código Civil errou! Nesse sentido, com maestria, leciona Flávio Luiz Yarshell:
“Ora, o art. 219 do Código de Processo Civil de 1973, em sua redação original (...) já dizia - e a rigor continua a dizer - que a interrupção ocorre pela citação, embora depois ressalve a retroação desse efeito para o momento do despacho que ordenara o ato. (...) se a retroação desse efeito para momento anterior ao da citação foi e é admitida pelo sistema, parece mais correto dizer que a retroação alcança o ajuizamento e não apenas o despacho que ordenar a citação, porque essa é a forma ditada pela lei processual, à qual, como dito, reporta-se expressamente a nova lei civil”.
[21]
E ratifica Carlos Roberto Gonçalves, quando assenta esse entendimento:
“Tal dispositivo [art. 202, I, CC] não pode, todavia, sofrer uma interpretação literal, sob pena de constituir indesejável retrocesso doutrinário e legal. A interpretação sistemática conduz à conclusão de que a interrupção da prescrição continua a retroagir à data da propositura da ação desde que o autor cumpra o ônus de promover a citação do réu no prazo estabelecido”
[22].
De se concluir, portanto, que a citação válida interrompe a prescrição, mas, se promovida no prazo legal de 10 dias prorrogáveis por mais 90 dias, a interrupção da prescrição retroagirá a data da propositura da demanda, valendo o disposto no Código de Processo Civil. O Novo Código Civil não se estabeleceu para contradizer a citação válida como causa interruptiva da prescrição. Em realidade, a divergência é com relação ao momento da retroatividade, se feito no prazo e na forma da lei processual. Pelo Código de Processo Civil, retroage à data da propositura da ação, diferente do Novo Código Civil, que estatui retroatividade à data do despacho liminar positivo. Não obstante seja a novel Legislação Civil lei posterior, prevalece a regra esculpida na Lei Processual.
Aliás, essa retroatividade da prescrição para o momento da propositura da ação é muito mais justa, razão pela qual o Código de Processo Civil foi alterado em 1994 para consagrar tal entendimento. Não é justo retroatividade à data do despacho liminar positivo, haja vista existir um procedimento entre a propositura da demanda e despacho liminar positivo que foge à esfera de atuação do jurisdicionado. Dizer retroagir à data do despacho liminar positivo é prejudicá-lo pela morosidade do Poder Judiciário. Basta pensar na situação em que falta um mês para a prescrição se consumar. O que fazer para não perder a pretensão pela prescrição? Basta ajuizar ação nesse prazo e praticar os atos que lhe cabe para a citação. Se a retroatividade fosse para a data do despacho citatório, será que este seria proferido no prazo remanescente? Poderia, portanto, o titular da pretensão se ver prejudicado pela morosidade do Poder Judiciário, o que não se pode admitir.
Voltando à análise comparativa, no que se refere à decadência, conforme já assentado, seu prazo não sofre de ataques, chegando a termo sem tormentos de qualquer natureza. Essa é a regra, mas não absoluta, pois o art. 207 do Código Civil ressalva a possibilidade da lei prever causa suspensiva, impeditiva ou interruptiva do prazo decadencial, o que já faz no seu artigo seguinte: não corre prazo decadencial contra absolutamente incapaz. Significa que o absolutamente incapaz, tal como ocorre na prescrição, jamais poderá perder o direito pela decadência. O relativamente incapaz poderá sofrer com a decadência, mas a lei lhe confere direito de regresso contra o assistente pelos prejuízos decorrentes da decadência. Essa é uma causa de natureza impeditiva ou suspensiva. A questão é: pode o prazo decadencial ser interrompido? Se expresso em lei, sim, o que vem previsto no artigo 220 do Código de Processo Civil, que estende o efeito da citação válida interromper a prescrição a todos os prazos extintivos, por isso também aplicável à decadência.
[23]
b) POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO
A decadência sempre foi vista como uma questão de ordem pública, diferente da prescrição vista tradicionalmente como questão de ordem privada, de interesse apenas das partes. Por isso, a Legislação Civil pretérita estatuía que o juiz poderia reconhecer a decadência de ofício, mas não a prescrição, caso em que se exigia o requerimento das partes. Sobreveio o novo Código Civil, mantendo, em linhas gerais, essa regra. Todavia criou uma exceção, conforme preceituava o artigo 194
[24]: o juiz poderia reconhecer a prescrição de ofício para favorecer absolutamente incapaz. A razão clara: devedor absolutamente incapaz, por ser desprovido de discernimento por completo, não está apto a alegar eventual prescrição, sendo protegido pela lei.
Só que no ano de 2006 essa questão mudou em decorrência da lei 11280/06, que revogou o artigo 194 do novo Código Civil concomitantemente à alteração do disposto no §5º do artigo 219 do Código de Processo Civil
[25], que estatui que juiz pode declarar de ofício da prescrição. Com a atual redação legal, o juiz pode reconhecer de ofício tanto a prescrição como a decadência, o que erigiu a prescrição à matéria de ordem pública. Trata-se de um poder-dever, pois mais do que poder, deve o magistrado reconhecê-lo de ofício.
Todavia, em se tratando de decadência, a questão tem que ser minudenciada. Existem dois tipos de decadência: legal e convencional
[26]. Parece que uma decorre de lei, outra da vontade das partes. É um equívoco assim pensar, pois ambas decorrem da lei. Será convencional quando a lei não dá um prazo certo, mas sim um prazo máximo, podendo as partes convencionar um prazo dentro dos limites legais. A título de exemplo, o artigo 505 do Código Civil[27] trata da chamada cláusula de retrovenda no contrato de compra e venda, que permite ao vendedor recomprar o bem vendido. Trata-se de direito potestativo com prazo decadencial máximo de 3 anos. Se a decadência for convencional, o juiz não pode declarar de ofício, exigindo-se requerimento das partes, como estatui os artigos 210 e 211 do Código Civil[28] [29].
Seja qual for o caso, prescrição ou decadência, as partes podem alegá-las no processo judicial e a lei dispõe que poderão fazê-lo em qualquer grau de jurisdição. Prescrição e decadência podem ser alegados em Recurso Especial ou Extraordinário, mas nesses casos, somente se houver pré-questionamento, ou seja, não se pode alegar originariamente.
E na fase de execução, podem as partes alegar prescrição e decadência? Assim enuncia a súmula 150 do Supremo Tribunal Federal: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. A prescrição e a decadência podem ser alegadas até mesmo na execução, cujo prazo é o mesmo da pretensão. É a prescrição ou decadência superveniente a sentença, para ajuizar a execução extrajudicial ou dar início à segunda fase do processo sincrético, ou seja, a fase de execução judicial que se segue à fase cognitiva. Estas podem ser alegadas em embargos à execução e até em objeção de pré-executividade, pois além da decadência, a prescrição passou a ser questão de ordem pública com a possibilidade de ser decretada de ofício pelo juiz.
c) POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA
O que aqui se indaga é se a prescrição ou decadência podem ser renunciadas. A princípio não, pois seria renunciar a estabilidade das relações sociais, a paz social e a segurança jurídica. Por essa razão o artigo 209 do Código civil diz nula a renúncia à decadência fixada em lei. Nada obsta renunciar a decadência convencional, pois faculdade para as partes preverem em prazo máximo.
Só que a prescrição, por ser perda da pretensão, mas não do direito, apresenta uma peculiaridade: pode ser renunciada, mas só depois consumada. Por quê? Não se pode renunciar antes de consumar a prescrição, já no contrato, pois geraria insegurança jurídica e instabilidade das relações sociais. Agora, quando se paga dívida prescrita, se está renunciando a prescrição, o que se viu ser válido em razão da perda da pretensão, mas não do direito. Não precisava mais pagar, porque prescreveu, mas mesmo assim se pagou. O pagamento é válido, cabendo soluti retentio. Só que além da exigência de já consumada, há outra: não prejudicar terceiro, ou seja, inválido será o pagamento de dívida prescrita se tornar a pessoa insolvente para adimplir obrigação ainda não prescrita. É o que se depreende da leitura do artigo 191 do Diploma Civil, que dispõe:
A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
Uma questão de relevo pode ser levantada: conforme já abordado, desde 2006, com a lei 11280/06, a prescrição tornou-se matéria de ordem pública ante a possibilidade do reconhecimento judicial de ofício. Será que esse novo entendimento revoga o artigo que permite renúncia da prescrição, haja vista questão de ordem pública ser irrenunciável? Não, está certo que apenas questões de ordem privada podem ser renunciadas e que a prescrição tornou-se questão de ordem pública, mas ainda assim, se permite a renúncia nos termos vistos, pois a prescrição representa perda da pretensão, mas não do direito.
Nesse sentido, dispõe o Enunciado 295 das Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal: “A revogação do art. 194 do CC pela lei 11280/06, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado”.
d) POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA
Nem prescrição, nem decadência podem ter seus prazos alterados pela vontade das partes, pois são prazos previstos em lei
[30]. O detalhe é a possibilidade de alterar prazo de decadência convencional, desde que dentro dos limites legais, pois não representa desrespeito à lei.

5 CONCLUSÃO
Resta evidente a diferenciação de prescrição e decadência, tema tão tormentoso até entre os estudiosos da Ciência Jurídica.
O direito subjetivo, enquanto direito a uma prestação, se submete à prescrição. Com a violação de um direito, traduzido no não cumprimento da prestação correspondente ao direito subjetivo, nasce para o titular uma pretensão, que se extingue pela prescrição. Isso significa que a partir descumprimento da obrigação, o credor terá um prazo prescricional para exigir judicialmente a prestação descumprida espontaneamente. É a ação condenatória que se submete à prescrição, pois é esta a ação em que se busca a tutela jurídica de um direito subjetivo.
O direito potestativo, enquanto direito que corresponde à mera sujeição, submete-se à decadência. A lei concede um verdadeiro exercício de poder, mas exige o exercício através do Poder Judiciário e, às vezes, impõe um prazo, decadencial, para exercício judicial do direito potestativo. É a ação constitutiva que se submete à decadência, pois é o instrumento de exercício judicial do direito potestativo. Ação declaratória não se submete nem a prescrição, nem à decadência, pois visa-se apenas a uma declaração.
Restou demonstrado no plano processual a incorreção na afirmativa de que na prescrição se perde a ação e que na decadência se perde o direito. Na verdade, o que se perde na prescrição é a pretensão, que é a exigibilidade do direito violado, pois a sentença que reconhece a prescrição é uma sentença de mérito por ordem do artigo 269 do Código de Processo Civil, o que significa haver exercício do direito de ação mesmo com a prescrição consumada. Considerando o disposto no artigo 190 do Código Civil, de forma completa, o correto é: na prescrição se perde a pretensão e a exceção.

6 REFERÊNCIAS
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